domingo, 27 de novembro de 2011

Texto do leitor: A Polícia do "mané côco"


Autor: CB PM André S. - PMES 

Na época que eu entrei na PM, e já se vão alguns anos, eu ficava olhando, (admirando) o “praça velho”, dente de ouro, anel de pedra no dedo mindinho, cordão grosso com crucifixo, que quebrava no pau e não tinha esse negocio, policia é policia, paisano é paisano, e achando os caras os bambambãs, e na verdade eles eram, e ainda os tenho na memória, como os verdadeiros policiais.

No entanto, instrutores, oficiais, sargentos e por vezes até civis que nos instruíam, nos falava pra não ”entrar na deles”, que essa policia estava ultrapassada, que agora era o tempo da policia cidadã, humanitária, onde o policial tinha que ser interativo, estar no meio das pessoas, e com elas aprenderem a resolver os problemas cotidianos, que o tempo do cavalo de cão havia passado e eles não tinham mais lugar na sociedade, e a medida que fossem se aposentando, tudo seria diferente.

Pois bem, eu até sentia uma pontada de dó, pois também gostaria de ser um deles, quem sabe até um cordão grossão, para impressionar a quem me visse “sai fora que vem os homi”, mas enfim, os tempos eram outros. A sociedade precisava de pessoas novas, com novas mentalidades. A redemocratização estava se consolidando conforme os novos rumos do país, e tudo mais. Eu acreditei naquilo, e na verdade por um tempo parecia que seria de fato assim. Nós praças estávamos sendo enfim reconhecidos como seres pensantes, que também éramos capazes de interagir com a população, e não só reprimir, como era dito pelos “donos da policia”. Foi o tempo a policia comunitária, interativa. ´

Nós “recrutas” como éramos chamados, fomos logo para a linha de frente com a sociedade, pois existia uma resistência de policiais mais antigos, em lidar com comunidades organizadas, na verdade não admitiam que civis desse opiniões no serviço, e durante algum tempo funcionou, e eu que sempre pensava em ser bombeiro, fiquei deslumbrado, achei que finalmente a policia evoluiria, tomaria uma direção a democracia, a liberdade da mão de ferro do militarismo arcaico, o fim das amarras do preconceito entre as classes.

Isso era sentido na tropa. Os praças antigos ficavam embasbacados com as novas reações: sargentos sendo corteses com soldados, oficiais dispensando continências, “caramba os caras estão até comendo na mesma sala. “Incrível” o tenente almoçou na mesa com a gente.

Mas der repente, um praça teve a brilhante idéia de se candidatar, e pior ainda, ser eleito, ai já era demais. O sinal de alerta se acendeu em algum lugar. Resgatem os grilhões, ressuscitem o carrasco, soltem o kraken. E aqueles dias de sol tinham chegado ao fim, oficiais que outrora estavam conosco começaram a se afastar, outros que resistiam, logo jogaram a toalha, pois a eles era jogada a culpa pela indisciplina do subordinado, o quartel novamente voltara a ser um lugar nebuloso.

Onde antes havia riso, brincadeiras, agora policiais atravessam o pátio rapidamente e se enfiam em uma sala qualquer, “policia no pátio do quartel ou quer cadeia ou serviço”. O sonho da modernidade fica mais distante, a constituição levemente é lembrada, oficiais jovens inspiradores, idealistas, que outro dia queriam ser criadores de soluções, solucionadores de problemas retornam a cobradores de regulamento. Sargentos ficam nas mesas digitando PADS, muitas vezes sofrendo junto com seus companheiros de serviço, alguns de muitos anos, que infelizmente nada podem fazer, pois a eles é cobrado todo o peso dos interesses em mostrar números de condenações.

E nós, cabos e soldados não ficamos de fora dessa deteriorização, talvez sejamos os que mais sofremos nesse trajeto, pois nos foi posto que seríamos melhores, mas cometemos os mesmos erros, e ainda piores, onde havia alcoolismo agora ronda as drogas, a violência ainda se mostra como o método preferido na solução de problemas, a faculdade nos deixou arrogantes (isso em todas as classes),boinas enterradas na cabeça e cara de mal, ao melhor estilo tropa de elite. A ideologia política nos abandonou, a esperança está por um fio, o pensamento é de estudar um pouco mais e “pular fora”.

Enfim, somos, estamos e ficamos cada dia piores do que poderíamos ser, a cada dia menos amados (pra não dizer mais odiados), menos unidos (tem policiais que dizem eu sou da especializada tal, e não pm comum), menos efetivos ( pois o crime só aumenta), menos valorizados (pois morremos e somos só um RG para o Estado), menos necessários (as guardas municipais se multiplicam). Muitas vezes acho q somos invisíveis, pois direitos nos são negados como se não fossemos seres humanos, garantias individuais a nós muitas vezes não se aplica, pelo simples fato de sermos militares, e ninguém se mexe, promotores, juízes, políticos, sociedade organizada, só enxergam nossas falhas. E assim vamos indo, rumo ao fracasso e a dissolução.

Entristeço-me em escrever tal texto, porque velha aquele praça que eu admirava hoje sou eu e para os mais novos (odeio o termo recruta), o que eu represento? Será que se tivesse um dente de ouro ou um anel no dedo eu iria inspirar admiração? Acho que só posso conseguir atenção contando historias de coisas que fiz, inventei, ou ouvi contar dos mais antigos, e na verdade não tenho saudade, ou que na deveria ter vergonha de dizer que aconteceram. Por isso eu digo, viva a policia do “mané côco”, que já foi sem nunca ter ido.

Este texto não serve como referencia para ninguém, pois meu objetivo e que cada um de nós policiais seja capaz de produzir suas próprias idéias, não quis ofender ninguém, nem oficial, nem sargento, muito menos os cabos e soldados, Pois todos nós somos os verdadeiros heróis desse pais e poderíamos ser inimaginavelmente maiores que somos.

“Se você conhece o inimigo e conhece a si mesmo, não precisa temer o resultado de cem batalhas. Se você se conhece mas não conhece o inimigo, para cada vitória ganha sofrerá também uma derrota. Se você não conhece nem o inimigo nem a si mesmo, perderá todas as batalhas”.
SUN TZU
“A ARTE DA GUERRA”

Andre S.
Cb PM, e estudante do 4º ano da faculdade de direito de Cachoeiro de Ita
Fonte: pec300.com

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